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Interpretações, Significados e Análises de Letras de Músicas

A Canção do Senhor da Guerra

     São quase dois meses sem falar de Renato Russo. Tempo demais! Mas, durante esse tempo, pesquisei um pouco sobre a música A Canção do Senhor da Guerra.
     A música é narrada por um alguém sábio que explica tanto as pretensões da Guerra e dos poderosos por trás dela, quanto as suas consequências. Porém o mais interessante é ver como esse alguém explica os métodos que aqueles que fazem a guerra usam para nos convencer, convencer nossas crianças de que, como diria o melhor professor de história que já tive na vida, a guerra é inevitável.


  • HISTÓRIA

     A Canção do Senhor da Guerra mantém uma íntima ligação com o especial da Rede Globo A Era dos Halley, de 1985. Guto Graça Mello e Francisco Santos Jr. eram os responsáveis pela trilha sonora do especial e a ideia era que vários artistas (como a galera do Barão Vermelho, do Roupa Nova, etc) cantassem músicas inéditas, compostas a partir de um tema anteriormente determinado pela emissora.
     Você deve, então, estar pensando que pediram que o Renato, juntamente com a Legião Urbana, fizessem uma faixa para a trilha do especial. Mas não foi bem assim. O tema "Senhor da Guerra" foi proposto, inicialmente, para o Raul Seixas, que compôs com Lena Coutinho a canção "O Senhor da Guerra". Mas a relação de Raul com a emissora não era lá das melhores. Eles acabaram recusando a música de Raul Seixas e a escolhida foi a música da Legião Urbana que, à essa época, ainda era intitulada apenas "O Senhor da Guerra".
     Tudo isso tem importância em ser ressaltado, visto que as duas canções (de Raul e de Renato) possuem trechos que se assemelham bastante. Quem não conhece toda essa história, mas é bastante atento aos detalhes, poderá questionar o fato de que ambas as músicas afirmem que a guerra "evita a super-população".

  • CONTEXTO HISTÓRICO

     Mas voltemos para o lado da interpretação dessa canção, ou seja, do contexto histórico na qual ela foi criada. O fato de ter sido feita para um especial da TV (para crianças e adolescentes, ainda por cima) não tira toda a sua conotação política. Em 1985 acabava a ditadura militar no Brasil e estava chegando ao fim a II Guerra Fria entre a União Soviética e os Estados Unidos da América. Tudo isso influenciou, e muito, a canção de Renato Russo, tanto que é possível enxergar o seu desenrolar a partir da história de um soldado estadunidense, por exemplo.

  • INTERPRETAÇÃO

Existe alguém esperando por você,
que vai comprar a sua juventude
e convencê-lo a vencer.


     Nos versos desta primeira estrofe podemos observar que Renato Russo, na voz do seu eu lírico, faz um alerta a quem o ouve. É tudo muito literal. Só o que podemos dizer disso é que, na opinião clara de Renato, ir à guerra é como jogar fora a sua juventude; que vencer não é uma ideia própria, sua, mas sim algo a que você foi convencido por alguém. Basta saber quem é esse alguém.

Mais uma guerra sem razão.
Já são tantas as crianças com armas nas mãos!
Mas explicam novamente
que a guerra gera empregos,
aumenta a produção.

     Não há sentido em fazer guerra, não há nada que justifique armar crianças de dezessete ou dezoito anos e mandá-las para a guerra. E todo mundo tem consciência disso! Por isso, é preciso alienar as pessoas, inventando explicações, inventando motivos e razões que não existem.

Uma guerra sempre avança a tecnologia,
mesmo sendo guerra santa, quente, morna ou fria.
Pra que exportar comida,
se as armas dão mais lucro na exportação?

     "Nenhuma guerra pode ser santa.".
     Nesta estrofe percebemos as menções à Guerra Fria. Quem dirá que a disputada corrida armamentista entre a URSS e os EUA não avançou as tecnologias bélicas? Quem dirá que a corrida espacial também não foi o resultado de uma guerra (fria, porém ainda guerra)?
     Tudo bem, há consequências positivas. Inclusive, uma guerra gera realmente empregos e aumenta a produção. Porém, como já dizia o poeta, nenhuma ideia vale uma vida. Basta as pessoas saberem disso.

Existe alguém, que está contando com você
pra lutar em seu lugar,
já que nessa guerra não é ele quem vai morrer.

     Há um sábio provérbio africano que diz: "Quando dois elefantes brigam, quem sofre é a grama". A guerra não é do povo, é dos governos, dos governantes. Mas esses não lutam. Os governantes não arriscam suas vidas em trincheiras. É loucura lutar por ideias que não são seus, por algo que não acredita. É quase como se Renato Russo nos dissesse para pararmos de ser bobos, de sentirmo-nos heróis por morrermos no lugar de quem não merece.

E quando longe de casa, ferido e com frio,
o inimigo você espera,
ele estará com outros velhos,
inventando novos jogos de guerra.

     Esses versos são muito interessantes. Numa guerra, supostamente, existem dois lados. Se o Brasil entra em guerra com os EUA, supõe-se que os grandes inimigos brasileiros são os estadunidenses. Na verdade, não há inimigo maior para um homem do que aquele que o instiga a brigar, a lutar, a fazer guerra. A real inimiga de um soldado é a crença, que vem sido cultivada (inclusive nos videogames), de que o grande herói da humanidade é o patriota que luta pelo seu país.

Que belíssimas cenas de destruição!
Não teremos mais problemas com a superpopulação.

Veja que uniforme lindo
fizemos pra você.
Lembre-se sempre
que Deus está do lado de quem vai vencer.

     O eu lírico continua nos apresentado argumentos que os grandes poderosos usam para nos convencer a guerrear. Aqui, em especial, nos remonta às "guerras santas", onde usam da crença de certo povo para fazê-lo lutar por um ideal distorcido.

O Senhor da Guerra não gosta de crianças!

     Renato Russo finaliza a canção com uma frase que engloba tudo que ele quis dizer. Dizer que o Senhor da Guerra não gosta de crianças é como dizer que a guerra não fará bem algum. Heróis de Guerra, no final de tudo, não servem pra nada. Quem quer guerra não se importa com quem a faz; quem a faz quase sempre  não compreende o seu propósito e é, por isso, ingênuo, como criança.
     Ei, garoto, o Tio Sam nunca ligou pra você! Ele não gosta de crianças...

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18 comentários:

  1. ótima interpretação, sempre gostei e acompanhei o blog mas hoje decidi comentar, um momento perfeito por sinal já que a musica em questão é do grande Renato Russo, e você vem fazendo um trabalho excelente continue assim

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    1. Obrigada, Rafael, muito obrigada!
      Continue comentando também. Isso ajuda muito.

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  2. Pois é, primeiro Renato do ano tinha que vir bem mesmo.

    Acho que é a primeira vez que vou dizer isto, rs, post perfeito. Não foi uma grande interpretação mesmo porque a música não é para isto mas o modo diferente como o post veio foi muito bom, gostei muito.

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  3. Interesante a introdução que explica como a música surge, em que contexto. Como disse Guilherme, acima, a música não era para despertar epifanias. A letra é direta, mesmo as metáforas não abrem margem a grandes interpretações, o que torna difícil falar algo interessante sobre a música. Mas tu consegues inserir bem o texto em todo o entorno da música, de Guerra Fria, corrida armamentista, guerra santa. É óbvio que, mesmo numa música menos hermética como essa, eu li alguns trechos de forma diferente(talvez a gente concorde em "Eduardo e Mônica", rs), mas isso não me impede de dar ao texto o mérito que ele merece.

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  4. "Uma guerra sempre avança a tecnologia,
    mesmo sendo guerra santa, quente, morna ou fria." Acho que também faz menção à Revolução Francesa(que teve um grande marco na História), às guerras que ocorreram na França. Sempre que ouço essa música me vem isso na mente... Houveram três fases na Revolução, chamadas popularmente de "Fria"(Assembleia Nacional Constituinte), "Quente"(Convenção Nacional) e "Morna"(O Diretório, que logo no final Napoleão ganha poder e começa seu Império)... Só eu acho isso?

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    1. Eu não sabia que essas fases da revolução eram tidas como "fria", "morna" e "quente". Se isso realmente procede, talvez o Renato tenha mesmo se referido à Revolução Francesa. No entanto, pelo grau de ironia que a música apresenta, acredito que ele faça realmente um trocadilho com a Guerra Fria.

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  5. Adorei sua interpretação, Tha. Adoro essa música, e lembrei-me de quando à analisei também. rs.
    Gostei do Tio Sam. rs.
    Beijos flor, fica na Luz.

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  6. muitooooo boa interpretação !
    obrigada,pois me ajudou e,me ajuda muito,a entender e ter um senso mais critico sobre tais assuntos *-*

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  7. "nenhuma guerra pode ser santa"...
    começando o entendimento da sua interpretação, juventude seria em sua teoria, a idade da energia, dos sonhos, dos projetos. Quando deixamos de seguir nossos projetos pra ser obrigados seguir projetos dos outros, realmente compraram nossa liberdade, nossa escolha, neste caso para guerrear por interesses que não são seus. Sua vitória e aquela que é sua de fato, particularmente sua, seus obstáculos que te impediram/impede de realizar seus sonhos, o que não garante que seu sonho não seja vencer a guerra sangrenta em si, que seu obstáculo seja tal inimigo dessa guerra. projetos e sonhos de "cada".
    com isso, cabe-se pensar que todo mundo guerreia, mas por que sempre pensar que guerra é sangue/violência?, por que
    sempre a sua arma é um canhão, uma calibre 12 ou uma simples faca? guerra é conflito de interesses, é você tentando se engradecer perante ele e o mesmo tentando te derrubar perante a você.
    Eu guerreio pra um dia me formar e ser bem sucedido, eu guerreio pra nunca tomar uma atitude ruim e me protejo pra que o "ruim" não venha a mim e a quem me valho , eu guerreio para ter o amor de tal pessoa, eu guerreio para ser feliz. você pode guerrear contra uma pessoa/nação, contra uma lógica que não é sua, contra o mal ou até contra o bem se assim preferir, contra você mesmo, contra sua própria vontade de desistir ou seguir em frente.
    "nenhuma guerra é santa", nenhuma guerra sanguenta/violenta, com ódio de ambas as partes é santa, onde meu conhecimento vai sobre a palavra, ser santo é praticar o bem, não a se sentir na vontade e direito de tirar a vida do outro, não interferir no livre arbítrio do outro. O ser bondoso guerreia com sua paz, com o amor, nunca com a violência/discórdia e ódio, sua arma é sua atitude de amar ao próximo, é não fazer igual o mal q te fazem, ou seja, sua arma é o q te anima a ser ( seu coração), bondoso ou maldoso. a guerra santa é combater o mal com o bem. se te odeia, ame-o, se te fez mal, perdoe-o, de a paz que o mesmo não te deseja.conceitos simples que humanos em sua maioria não segue. nesse conceito acredito em guerra santa.
    Guerreie primeiramente pela sua liberdade perante ao que te prende, se morremos por alguém/algo, é por aquilo que nos valemos, seu sonho/projeto, nunca por obrigação de alguém.
    Creia que enquanto existir dois lados, vai existir guerra( você x seu obstáculo, o que te impede), cabe o pensar que derramar sangue e usar d violência não é única forma de guerrear, não é a forma "boa" de guerrear.
    Claro que renato tratou de comentar da guerra sangrenta, o que tanto marcou e marca nosso mundo, mas guerra não se resume somente a isso, na minha opinião e creio que ele possa ter um conceito ao menos parecido com o meu, enfim, sem querer comparar a grandeza dos pensamentos de renato russo com os meus pequenos pensamentos, é a minha opinião de fato. Ótima interpretação Thamyris Pereira.
    (Anderson Santos)

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    1. Prefiro chamar, Anderson, de conflito o que você chama de guerra. Guerrear, no sentido que você muito bem colocou, é uma figura de linguagem, está em sentido figurado.
      É certo, meu bem, tudo que você disse. De fato, lutamos todos os dias pelos nossos interesses. Mas ainda acho que "nenhuma guerra pode ser santa" (frase do Renato, que faço minha). Guerra, guerra no sentido mais literal da palavra, não pode ser santa! Talvez alguém lute (no sentido de querer conquistar) por interesses "santos", mas não existe guerra santa.
      Nenhum erro justifica outro e, como diria um cara do Titãs, "nenhuma ideia vale uma vida".
      Obrigada!!!

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  8. Gostaria de saber se alguém tem aquela versão da música o senhor da guerra cantada por vários artistas?

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    1. https://www.youtube.com/watch?v=w5nDEhE5enE&feature=youtu.be

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  9. Parabéns pelo seu trabalho. É de fato que Renato Russo foi o mais inteligente cantor e compositor, e muito corajoso. Usou o meio de suas fantásticas letras para nos advertir, esta da Guerra foi uma delas. Toda vida tivemos os nosso donos nunca a nosso favor, não passamos de brinquedos nas mãos deles. É complicado a falar a respeito, porque geraria discordância de quem desconhece a verdade. E o que não entendo, como o nosso precioso Renato Russo conseguiu gravar estas músicas, pq as gravadoras aceitam músicas a gosto deles, tem que ser o que eles determinam, eles manipulam todos os cantores. Vocês já leram a letra PERFEIÇÃO? Diz tudo, Renato nos alerta sobre o paganismo, elite e assim vai indo... Prestem atenção na maioria das letras dele. Compositor feito este jamais teremos outro. Abraços a todos

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  10. musica otima para ser interpretada parabens ao grande renato russo

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  11. Há um gibi da turma da Mônica quase contemporâneo com uma história intitulada "O Senhor da Guerra" (número 199 de 1986 ainda pela editora Abril). Confesso que achava ter alguma relação afinal, o Renato era leitor de revistas em quadrinhos (até onde eu sei) ou é um engano de minha parte?!

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  12. Thamirys, hoje, dois dias depois de uma menina ser assassinada dentro de uma escola no Rio de Janeiro, pensei muito nessa música. Achei seu texto. Li e me fez bem. Continue, garota! Abraços.

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  13. Grande Canção !! Não sei se é do conhecimento de todos mais Renato Russo era um grande fã do Punk Rock Britânico do final da década de 70 e inicio de 80. Vejo alguma semelhança com "Last Night Another Soldier (Ultima noite, outro Soldado)" do Angelic Upstarts, mais na letra do que na melodia. Mas tenho certeza que Renato Russo tinha conhecimento dos Upstarts !!

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  14. Legião Urbana eterna e para sempre. Renato Russo o maior poeta e compositor de letras de rock and roll. Roqueiro que se manteve ao estilo do rock ate o fim, nao se rendeu a outros estilos no contexto do seu conjunto de rock Legião Urbana.

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